segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A biografia das biografias


O Brasil vive um grande debate sobre as chamadas biografias não autorizadas, liberdade de expressão, direitos, censura, privacidade e royalties. É um jogo duro. De um lado os maiores ídolos da Música Popular Brasileira e os políticos, contra as biografias não autorizadas, e do outro, escritores, jornalistas, editores, outros músicos e políticos. O último lance foi a entrevista do cantor e compositor Roberto Carlos, que integra o grupo Procure Saber, ao programa Fantástico, da TV Globo.
Eu assinei o manifesto dos escritores e defendo a liberdade dos biógrafos e entendo que os ofendidos devem ter na Justiça - rápida, a reparação dos erros e calúnias, com penas pesadas.
Abaixo, transcrevo uma série de artigos, matérias e entrevistas sobre o tema, como contribuição aos que procuram saber e não entendem ou não conheceram as principais posições. Destaco as que considerei mais relevantes, de ambos os lados da polêmica.

Quem me conhece, sabe que a trilha sonora da minha vida reúne muitas músicas dos meus ídolos, agora, em lados opostos. Chico Buarque, Gil, Caetano e Djavan estão espalhados na minha casa, em LPs, CDs, DVDs, fotos, livros e partituras. Encontro com eles todos os dias. Até no som do meu carro eles estão. É doído estar contra eles.

O manifesto dos escritores
 
Manifesto dos intelectuais brasileiros contra a censura às biografias

Desde o século XIX, a Biografia teve papel importante na construção da nossa ideia de Nação, imortalizando personagens e ajudando a consolidar um patrimônio de símbolos e tradições nacionais.

Mais recentemente, na segunda metade do século XX, a Biografia ganhou outra dimensão: além de relatar os feitos dos grandes nomes, transformou o pno Brasil tal forma de manifestação encontra-se em risco em virtude da proliferação da censura privada que é a proibição das biografias não autorizadasersonagem em testemunha de sua época. A Biografia moderna não é só a história de uma pessoa, mas também de uma época, vista através da vida daquela pessoa.

No Brasil, tal forma de manifestação encontra-se em risco, em virtude da proliferação da censura privada, que é a proibição das biografias não autorizadas.

A ninguém é dado impedir a livre expressão intelectual ou artística de outro, garantia consagrada na Constituição democrática de 1988, que baniu definitivamente a censura entre nós. Por isso, não faz sentido exigir-se o consentimento prévio da personalidade pública cuja trajetória um autor ou historiador pretende relatar (e, menos ainda, exigir-se a autorização de seus familiares, quando já falecido o biografado), como condição para a publicação de Biografias.

É apropriado que a lei proteja o direito à privacidade. Mas este direito deve ser complementado pela proteção do acesso às informações de relevância para a coletividade, na forma de tratamento distinto nos casos de figuras de dimensão pública, os chamados protagonistas da História: chefes de Estado e lideranças políticas, grandes nomes das artes, da ciência e dos esportes.

O Brasil é a única grande democracia na qual a publicação de Biografias de personalidades públicas depende de prévia autorização do biografado. Um país que só permite a circulação de biografias autorizadas reduz a sua historiografia à versão dos protagonistas da vida política, econômica, social e artística. Uma espécie de monopólio da História, típico de regimes totalitários.

Este erro produz efeito devastador sobre a atividade editorial. A necessidade do consentimento prévio das pessoas retratadas nas obras cria um balcão de negócios de valores vultosos, em que informações sobre a nossa História são vendidas como mercadorias.

Há um efeito ainda mais grave no que tange à construção da memória coletiva do país. O conhecimento da História é um direito da cidadania, independentemente de censura ou licença, do Estado ou dos personagens envolvidos. O ordenamento jurídico deve assegurar pluralidade, cabendo à sociedade e ao cidadão formarem livremente sua convicção.

É pertinente lembrar que a dispensa do consentimento prévio do biografado não confere ao autor imunidade sobre as consequências do que escrever. Em casos de abuso de direito e de uso de informação falsa e ofensiva à honra, a lei já contém os mecanismos inibidores e as punições adequadas à proteção dos direitos da personalidade.

Hoje, quando a sociedade clama pela ética e pela plena liberdade de expressão, está mais do que na hora de eliminar este entulho autoritário e permitir novamente que os brasileiros possam ter acesso à sua própria História.

Assim, os intelectuais brasileiros apoiam as iniciativas legislativas e judiciais voltadas à correção dessa anomalia do ordenamento jurídico brasileiro, de maneira a permitir a publicação e a veiculação de obras biográficas sobre os protagonistas da nossa História, independentemente da autorização dos personagens nelas retratados.

Assinam:
Afonso Arinos de Mello Franco
Alberto Costa e Silva
Alberto Venâncio Filho
Alexei Bueno
Ana Maria Machado
André Amado
Antônio Carlos Secchin
Antonio Torres
Arnaldo Niskier
Boris Fausto
Candido Mendes de Almeida
Carlos Heitor Cony
Carlos Nejar
Celso Lafer
Cícero Sandroni
Cleonice Berardinelli
Cristovão Tezza
Domício Proença Filho
Eduardo Portella
Evanildo Bechara
Fernando Morais
Ferreira Gullar
Geraldo Holanda Cavalcanti
Ivan Junqueira
João Máximo
João Ubaldo Ribeiro
Jorge Caldeira
José Murilo de Carvalho
Lira Neto
Luis Fernando Veríssimo
Manolo Florentino
Marco Lucchesi
Marcos Vilaça
Mário Magalhães
Mary del Priore
Merval Pereira
Milton Hatoum
Murilo Melo Filho
Nélida Piñon
Nelson Pereira dos Santos
Roberto da Matta
Roberto Pompeu Toledo
Rosiska Darcy de Oliveira
Ruy Castro
Sergio Rouanet
Silviano Santiago
Ziraldo
Zuenir Ventura